- Nº 1789 (2008/03/13)

<font color=0094E0>A «constituição» desmascarada</font>

Em Foco
Ao contrário do primeiro-ministro, José Sócrates, que hipocritamente tenta fazer crer que o tratado de Lisboa nada tem a ver com o anterior projecto constitucional, muitos dos seus parceiros comunitários não escondem que os dois tratados são, na sua essência, iguais.

Começaram por lhe alterar a designação, chamaram-lhe «tratado reformador», «mini-tratado», «tratado rectificativo», «tratado simplificado» e acabaram por baptizá-lo com o circunstancial nome da capital portuguesa, fingindo assim tratar-se de um mero documento de rotina.
Contudo, as declarações de vários governantes de países da União Europeia são reveladoras sobre a verdadeira natureza do «novo» tratado que tentam impor aos povos, negando-lhes o direito de sobre ele se manifestarem democraticamente.
Com uma frontalidade germânica, a chanceler alemã, Angela Merkel, admitiu: «A substância da Constituição é mantida. É um facto», (Daily Telegraph, 29.06.07).
O primeiro-ministro espanhol confirma: «Não abandonámos um só ponto essencial da constituição (…) É sem dúvida alguma muito mais que um tratado. É um projecto de carácter fundador, um tratado para um nova Europa», (discurso proferido por José Luís Zapatero, 27.06.07).
E para que não restem dúvidas, outros acrescentaram:
«Só foram operadas alterações cosméticas, o documento de base é o mesmo», Vaclav Klaus, presidente da República Checa (The Guardian, 13.06.07).
«Não há nada do pacote institucional que tenha mudado», Astrid Thors, ministro dos Assuntos Europeus da Finlândia (TV-Nytt, 23.06.07)
«90 por cento [da constituição] continuam lá (…) as alterações não trouxeram nenhuma modificação espectacular ao acordo de 2004», Bertie Ahern, primeiro-ministro da Irlanda, (Irish Independent, 24.06.07).
«É bom que os elementos simbólicos tenham sido retirados e o que realmente tem importância – o coração – tenha ficado», Anders Fogh Rasmussen, primeiro-ministro da Dinamarca, (Jyllands-Posten, 25.06.07).
«O tratado para uma Constituição foi conservado em substância» (site do governo da Áustria, 25.06.07).
O Parlamento Europeu «felicita-se entretanto com o facto de que o mandato preserva em grande parte a substância do tratado constitucional» (resolução adoptada pelo PE, 11.07.07).
«É essencialmente a mesma proposta que a antiga Constituição», Margot Wallstrom, comissária europeia (Svenska Dagbladet, 26.06.07).
Fonte: http://www.observatoiredeleurope.com/Constitution-bis-les-dirigeants-europeens-se-rejouissent_a721.html)

Diferenças ou semelhanças?

Valéry Giscard d’Estaing, que presidiu aos trabalhos da Convenção responsável pelo projecto da «constituição» europeia, escreveu num artigo publicado no diário francês Le Monde (26.10.07): «No tratado de Lisboa, redigido exclusivamente a partir do projecto de tratado constitucional, as ferramentas são exactamente as mesmas
Essas ferramentas, explica mais adiante, são «a presidência estável, a Comissão reduzida e recentrada, o parlamento legislador de pleno direito, o ministro dos Negócios Estrangeiros apesar do seu chapéu demasiado estreito, a tomada de decisões por dupla maioria, a dos estados e a dos cidadãos, e a Carta dos Direitos Fundamentais».
A grande diferença é que agora tudo está «disperso em emendas aos tratados anteriores, eles próprios reorganizados». Numa palavra, o texto tornou-se «ilegível» para os cidadãos.
Questionando-se sobre «qual o interesse desta subtil manobra?», o antigo presidente da França responde: «Em primeiro lugar e antes de tudo é escapar ao constrangimento do recurso ao referendo

O império de Barroso

Numa conferência de imprensa realizada, dia 10 de Julho de 2007, em Estrasburgo (França), Durão Barroso, confessou: «Por vezes gosto de comparar a União Europeia, enquanto criação, à organização dos impérios. Nós temos a dimensão de um império, mas há uma grande diferença. Os impérios foram habitualmente construídos pela força, com um diktat impondo do centro a sua vontade aos outros. Agora o que nós temos é o primeiro “império não imperial”. Nós temos 27 países plenamente decididos a funcionar em conjunto e a partilhar a sua soberania. Creio que é uma grande construção de que deveríamos orgulhar-nos. Pelo menos nós, na Comissão, estamos orgulhosos».
Se Durão Barroso está orgulho, os povos estão certamente preocupados com a construção de tal império antidemocrático, feita arrogantemente nas suas costas e contra a vontade já expressa em dois referendos.
Fonte: http://www.observatoiredeleurope.com/index.php?action=breve&id_article=678643&paa=2&zaa=0
ou http://www.youtube.com/watch?v=-I8M1T-GgRU

Ruptura necessária

«(…) A ruptura com as políticas dominantes da direita tornou-se uma necessidade imperiosa para assegurar uma vida melhor para todos os portugueses.
Ruptura com uma “construção europeia” federalista e neoliberal realizada à custa da soberania nacional e do direito de cada povo decidir o caminho do seu desenvolvimento.
Ruptura com a política de “obsessão” pelo défice das contas públicas, pretexto para a ofensiva generalizada contra as funções sociais do Estado e de travagem do crescimento económico.
Ruptura com a política de reconfiguração do Estado e de subversão do seu papel e funcionamento e do objectivo da sua redução às funções de soberania e repressivas.
Ruptura com o domínio do capital monopolista e com a sua posição determinante na estrutura e funcionamento da economia portuguesa.
Ruptura com as politicas de amputação das políticas sociais, designadamente do ensino, saúde e segurança social e de desvalorização do trabalho.
«(…) É neste quadro de exigência de um novo rumo para a integração europeia que reafirmamos a nossa recusa do novo Tratado para a União Europeia e reiteramos a exigência da realização de um amplo debate nacional e de um referendo vinculativo que dê ao povo a possibilidade de decidir.»
Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, no encerramento da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas, 24 e 25 Novembro 2007

Alternativa soberana

«(…) Alternativa que, antes de mais, coloca a defesa da soberania nacional como questão central e estratégica para a defesa dos interesses nacionais e para a construção de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos.
Europa de cooperação que combate as imposições supranacionais contra a vontade dos povos, o domínio das grandes potências e que rejeita qualquer processo constitucional que tem inteiramente associada uma construção federalista da União Europeia.
Europa de cooperação que inscreve no plano institucional o direito de cada povo à sua decisão autónoma, garantindo a cada Estado as necessárias cláusulas de excepção no exercício desse direito e dos instrumentos de soberania fundamentais à concretização de um projecto próprio de desenvolvimento.
(…) Alternativa que pressupõe a necessidade da convergência e a luta das forças anti-imperialistas, que rejeita as teses da direita e da social-democracia e que promove a cooperação institucional e política no Parlamento Europeu.
Um Portugal com futuro e outro rumo para a Europa exige rupturas, mobilizações, convergências e lutas. Rupturas com as políticas federalistas, neoliberais e militaristas da União Europeia.
Exige o reforço da mobilização e da luta dos trabalhadores, dos povos e de todas as forças do progresso e da paz na Europa, tal como exige a luta e o empenhamento do povo português e o seu essencial contributo na luta pela retoma do projecto de desenvolvimento, patriótico, progressista e internacionalista de Abril, com a convicção de que esse seria o nosso grande contributo para a realização de uma Europa de cooperação de Estados iguais em direitos, de progresso económico e social e de paz e amizade com todos os povos do mundo.»

Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, no encerramento do Encontro Nacional do PCP sobre os 20 anos de Adesão à CEE, em 16 de Novembro de 2006